domingo, 26 de novembro de 2017

Luz da lua

O escritor mais ingrato de todos os tempos.
Escrevia penosamente sobre suas folhas já amareladas e envelhecidas.
Eram as únicas que tinha, porque, por ser tão ingrato, as deixava solitárias jazendo incontável tempo em uma gaveta trancada.
E nem ao menos havia um motivo para deixá-las tão protegidas, visto que, ainda que ele as pendurasse pelo teto e as espalhasse pela casa, não haveria ninguém interessado em lê-las.
O que torna ainda mais imperdoável sua ingratidão.
Mas, assim ele fazia. As deixava guardadas, morrendo, apodrecendo.
E, como o famoso cão arrependido, voltava a elas, apenas quando estava tudo por um fio.
Hidratando-as com suas lágrimas injustificadas.
Entretendo-as com as músicas que elas já ouviam desde que eram jovens.
Sempre as mesmas músicas, as mesmas que sempre coloca em sua velha radiola, quando está tudo por um fio.
Afogando-as em suas memórias, memórias que reaparecem em sua mente perturbada, quando está tudo por um fio.
E, após dar-se conta de que, por mais alto que escreva ninguém poderá ouvir, ele põe o ponto final e tranca novamente as pobres folhas.
Volta ao seu melancólico estado automático, onde o tempo passa como o vento de um tornado.
Até que a luz da lua venha o fazer escrever novamente.

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