domingo, 23 de junho de 2013

Final feliz

      O homem caminha até chegar ao buraco. É o único buraco da região, ou pelo menos o único que ele podia ver. É claro que haviam muitos outros buracos, mas agora ele estava cego, enfeitiçado pelo buraco. Era lá que ele queria ser enterrado. Acontece que o buraco não era grande o suficiente para ele. Defeito que ele ignorava, sabia que com o tempo o buraco iria se adaptar a ele. Com esta convicção, ele se deitou ao lado do buraco, feliz pela maior conquista de sua vida até o momento.
      Quinze anos se passaram com ele deitado próximo ao buraco sem mover um músculo, até que ele resolveu que o buraco também poderia cooperar para aquela vida à dois. Sem se levantar passou a mão sobre o buraco e começou a cavar lentamente. Foi uma grande revolução que mudou radicalmente seu estilo de vida.
      Trinta anos depois ele ainda cavava do mesmo jeito, mas a mentalidade havia evoluído. Eram necessárias novas grandes mudanças, aquilo já havia durado tempo demais. Ele então pensou bastante e tomou a decisão mais difícil de sua vida: Se levantou pela primeira vez em décadas decidido a caminhar para longe daquele buraco, caminharia eternamente se fosse necessário, jamais olharia para trás.
      Mas, passando tanto tempo concentrado no buraco, ele não pôde ver o quanto o mundo à sua volta estava diferente. Antigos líderes caíram e novos se ergueram, antigos costumes se perderam e novos se estabeleceram, antigas leis foram invalidadas e novas foram criadas. Há muitos anos, foi decretado que era proibido sair de um buraco e sair andando, como aquele homem estava prestes a fazer. Cartazes foram fixados, placas foram posicionadas, a informação foi divulgada em todos os meios de comunicação de massa. Em caso de desobediência, era autorizado por lei o uso de força letal para conter alguém de cometer este crime hediondo. Torres enormes de vigilância foram construídas por todo o território com soldados de prontidão, preparados para disparar misseis de alto poder explosivo em qualquer criminoso que surgisse.
      No momento em que o homem se levantou, não foi necessário pedir autorização. Não houve tempo para sequer um passo. O soldado disparou um míssil com a mira perfeita. O homem (agora em pedaços) e o buraco (agora uma gigantesca cratera) finalmente eram uma coisa só.

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