domingo, 13 de abril de 2014

A feiura no deserto

(1)
Ser feio, para algumas pessoas, é uma arte.
Não é só ser feio por fora.
Geralmente, uma pessoa pode se arrumar e ficar bonita.
Mas em alguns casos isto não acontece.

(2)
Eu sou feio por dentro, Doutor.
Minha feiura começa na mente.
Não é algo superficial, é algo profundo.
Não é um estado:
Eu não estou feio, eu sou feio.

(3)
Minha feiura vai saindo da minha mente,
e como se fosse um gás venenoso,
se prolifera pelo meu interior até me preencher completamente.
Então a feiura começa a transbordar e ser exalada por todos os caminhos, até mesmo pelos poros da pele.
As pessoas pressentem o gás toxico e saem correndo imediatamente.
É um dos motivos pelos quais eu vivo num planeta deserto, Doutor.

(4) Quando eu era mais novo, Doutor, na escola alguns meninos tinham uma brincadeira meio malvada:
Algum deles vestia uma luva imaginária, dava um tapa em mim e saia gritando: "Germes do guilherme! Quem encostar pega!" Todo mundo saia correndo, Doutor. Aquilo já era o gás da feiura se manifestando. Com a inocência que aqueles meninos tinham, eles eram capazes de ver o gás que saia de mim, e pensavam que aquilo era um germe qualquer. Para a sorte deles, não é contagioso, não é mesmo Doutor?

(5) No meu caso, Doutor, a feiura é uma causa e uma consequência em um ciclo vicioso. As pessoas fogem de mim porque eu sou feio, e eu me dou o direito de ser o mais feio, tosco e indesejável possível porque não tenho ninguém para ter que agradar.

(6) Mas eu estou vivendo bem com isto, Doutor. Minha fase de isolamento social ainda deve durar algum tempo. Talvez algum dia eu fique realmente nervoso e resolva tomar uma atitude, mudar alguma coisa, ou talvez o universo resolva parar de conspirar contra minha evolução social (essa eu acho mais difícil de acontecer). Mas por enquanto meu sistema está se adaptando bem ao deserto.

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